terça-feira, 2 de março de 2010

O amigo do Sr. Betão

Modest Mouse - Medication
Passeava pelas ruas sem nenhum propósito definido. Estou a encher o tempo, dizia. Mas na verdade lutava para cobrir o silêncio com as vozes das pessoas que andam na rua. Aproveitava qualquer pretexto para iniciar uma conversa. Muitas vezes não era bem recebido. Se as pessoas respondiam de forma monossilábica, sabia que não devia prosseguir. Mas naquele dia não lhe apetecia falar com ninguém. Sentou-se na esplanada de um café. Pediu um café. Por vezes olhava o relógio como se esperasse alguém, mas não era verdade. Era um gesto tão automático que muitas vezes via as horas sem realmente as ver. Os olhos viam as horas mas a informação não chegava ao cérebro. Talvez porque não fosse preciso. Sentado na cadeira do café acendeu um cigarro. Lançou os olhos para o outro lado da rua. Havia um prédio que se destacava dos restantes. Mais alto que todos os outros, pintado de azul, um azul forte. Ficou a olhar para ele tanto tempo que conseguiu abstrair-se dos carros e das pessoas que passavam. Tinha janelas pequenas que pareciam olhos. Tinha oito olhos aquele prédio. E, enquanto fumava o cigarro, sentado na cadeira do café, pareceu-lhe que o prédio se moveu. Disse algumas palavras que ele não compreendeu de inicio. Depois pôs a mão atrás da orelha para auxiliar a audição e soube que o prédio tinha muita razão naquilo que dizia.

Nenhum comentário: